quinta-feira, julho 27, 2006

The Doors – The Doors


James Douglas Morrison tinha tudo para se tornar um filho da pátria dos Estados Unidos da América: filho de militares, de classe média alta, criado na Califórnia. Mas, em algum ponto da década de 50, ele começou a ler Rimbaud, Nietzche e Edgar Allan Poe. Daí em diante fez um curso de cinema ao lado de Francis Ford Coppola, passou a renegar seus pais e ter uma vida boêmia, passando os dias a devorar textos filosóficos e se embebedar. Não tinha nenhum talento musical, mas se demonstrou então um grande poeta. Um poeta subversivo, do calibre de seus ídolos. Quando recitou Moonlight Drive, um de seus poemas, para o tecladista Ray Manzarek, este adorou sua lírica e resolveu montar uma banda. Chamou Robby Krieger e John Densmore, seus colegas de meditação indiana, para que fossem respectivamente guitarrista e bateirista. Todos eles eram principalmente músicos de jazz e blues, e então houve a junção dos estilos, que ainda se misturou com o rock para produzir o som característico dos Doors. O próprio nome da banda, para jogar por terra qualquer idéia de que Jim Morrison era só um drogado prepotente (como ele demonstrava ser em suas performances no palco), vem do livro de Aldous Huxley “As Portas da Percepção” (The Doors of Perception), que narra uma viagem lisérgica e tem como título uma referência a um aforismo de William Blake, “quando as portas da percepção estiverem abertas, as coisas aparecerão como são, infinitas.” Começaram tocando em bares. Na escalada à fama em Los Angeles, alcançaram facilmente o posto de banda popular e foram contratados pela Elektra Records para criar o álbum que marcaria a ferro o nome dos Doors não apenas no rock, mas na música e até mesmo na literatura contemporânea.

Morrison era um poeta do caos, da loucura e da dor. Cheio de fúria animalesca mista ao seu apelo sexual, adicionando aí algumas substâncias ilícitas como LSD, maconha, cocaína e heroína, sua voz se tornava uma hipnose e suas canções, poemas da insanidade. Ele não apenas cantava suas canções, ele as interpretava oralmente e punha suas emoções no palco. Em uma época marcada pela filosofia jovem, ele servia como porta-voz de toda uma geração, sem o menor medo de dizer o que quisesse, fosse isso uma crítica política metafórica ou a descrição de uma relação sexual. Interessante dizer que Jim Morrison não aparentava se interessar em criar música: ele apenas a usava para mostrar seus poemas ao mundo, teoria reforçada por sua falta de habilidade como interpretador musical. O primeiro disco de sua banda nos apresenta todos esses fatores: a poesia furiosa, o blues, os poemas épicos. É uma abertura para tudo que os Doors fariam depois.

“Break on Through (To the Other Side)” é classificada por John Densmore como uma “bossa nova norte-americana.” Mas, diga-se de passagem, que bossa nova mais violenta! A bateria começa por trás, com a guitarra e o teclado entrando com força alguns segundos antes do vocal berrar a canção que abre o disco com a mensagem que deve ser usada para entendê-lo: “atravesse para o outro lado.” A letra não é ainda a viagem morrisoniana que se tornaria padrão, mas tem o refrão animador e o peso do rock ao fundo. Já tem os toques de metáfora que se tornariam tão característicos no som dos Doors. Um dos clássicos gerais da banda.

O teclado espacial de Ray Manzarek abre “Soul Kitchen” e a guitarra entra ao fundo com a batida de blues. A voz se torna mais calma no começo, falando de uma noite num bar. É impossível o refrão não soar alcoólatra : “deixe-me dormir a noite toda na cozinha da sua alma/aquecer minha mente em seu suave fogão/ponha-me para fora e eu vou ficar vagando, baby/cambaleando nos bosques de neon.” Conforme o fim da música se aproxima, tudo se torna mais rápido e a batida volta ao início... belo exemplo do blues elétrico único dos Doors.

“Antes de você pular em inconsciência, eu gostaria de lhe dar outro beijo.” É assim que começa “The Crystal Ship”, agora a viagem lisérgica e lírica entrando em conjunto com um vocal sereno e hipnótico, com a bateria e o teclado tornando-se cada vez mais lentos enquanto os versos avançam. O solo de teclado de Ray toma vias mais românticas no meio e a bateria se torna quase um acompanhamento de jazz. A letra é uma grande metafora que às vezes deixa a lírica de lado para indagar o ouvinte, “oh, me diga onde sua liberdade jaz/as ruas são campos que nunca morrem.” Uma das melhores canções do disco, o que, acreditem, não é pouco.

“Twentieth Century Fox” descompromissa o álbum todo. Afinal, é só uma faixa sobre uma garota. Mas na escrita de Morrison, tudo se torna arte: o teclado soa ao fundo, com a guitarra de Krieger tendo seu primeiro grande destaque, em meio a vozes de típicas canções californianas. É uma faixa de descanso que não abandona nem envergonha o que foi feito antes.

O clima vaudeville se instala perfeitamente à “Alabama Song (Whiskey Bar)”: no início o vocal cantando a velha canção alemã, no primeiro cover do disco, se mistura com o teclado que é tocado como nunca fora antes, e como nunca mais seria. É uma música predominantemente boêmia, com versos que parecem ter saído de bocas bêbadas em frente a bares como “na lua de Alabama/agora precisamos dizer adeus” misto com versos embriagados como “me mostre o caminho para o próximo bar de uísque/oh, não pergunte o porquê.” Animada, divertida, fixante e perfeita para se ouvir ao lado de uma garrafa de vodka.

E é com um solo de teclado que começa a música mais famosa dos Doors: “Light My Fire.” O início lembra um som de fliperama e súbito se mistura com a voz lamuriosa de Morrison. A letra de Robby Krieger narra uma namoro em seu auge (é, acho que podemos dizer assim). Inclusive, quando essa música foi apresentada no Ed Sullivan Show, o pessoal da censura pediu que o verso “girl we couldn‘t get much higher” fosse trocado para “girl we couldn‘t get much better.” Eles tocaram a versão do álbum, sem nenhuma alteração; como era um programa ao vivo, não havia nada a ser feito além de os censores continuarem assistindo. No meio da música Manzarek, Krieger e Densmore tocam por quatro minutos e meio sem nenhuma voz: é uma longa e viajante canção, na melhor percussão de John, com a melodia mais original e fixante possível. A performance dançante do disco. Imperdível.

As cordas soam e “Back Door Man” começa. É um blues forte, vindo do mestre Willie Dixon e mixo ao teclado e à bateria tradicional. A voz de Morrison é berrada nessa faixa, em que transforma versos em gritos raivosos. Engraçado que ele faz isso da melhor forma possível, acreditem. Aqui eles adiantam o que fariam depois, em discos como Morrison Hotel e L. A. Woman, que têm o blues único dos Doors.

“I Looked At You” é a balada do disco. Com um toque que chega a lembrar o trabalho dos Beatles de começo de carreira, ela é carregada pelo teclado ininterrupto que dá o tom dos Doors misto à guitarra flamenca e à bateria, que tem certo destaque nessa canção. O vocal segue uma linha violenta que não termina, mas descansa no refrão sem fim: “porque é tarde demais, tarde demais, tarde demais, tarde demais.” Ah, se todas as bandas baladeiras fossem assim...

O teclado é doentio e fraco, a guitarra quase inaudível, a bateria chora muito ao fim. Um som triste e parado é a voz, que canta “End of the Night.” A letra segue o verso-título: “pegue a estrada para o fim da noite”, num tom de cantiga de ninar. O refrão, emocionante e chorado, se torna o ânimo para a barulheira que vem a seguir.

“Take It As It Comes” segue a linha de Break on Through: início rápido, refrão que segue o título e instrumentos tocados com força. Essa, porém, é mais rock ‘n’ roll que aquela. A bateria serve de compasso atrás, enquanto o teclado não recebe tanta atenção quanto a guitarra. É a última das hipnoses do disco, que compensa a falta das teclas com o curto solo de Ray no meio. No fim, tudo se torna alto, e o teclado finalmente entra como antes: louco, psicótico, doentio, genial. Corta as lágrimas da faixa anterior com sua raiva explosiva.

Cordas indianas se confundem com ruídos melancólicos e compassos leves. É “The End” que começa. Os instrumentos entram conforme a música avança, até começar a voz, a louca voz que lhe seguirá durante os onze minutos seguintes. É Jim Morrison e o possível maior poema da história do rock. Nada soa alto, nada é exposto: é poesia cantada. O vocal é inconfundível. As cordas têm maior destaque aqui, como só poderia ser; são elas que tomam as rédeas que acompanham o ouvinte sem deixá-lo entediado. A letra é o carro-chefe. Longas estrofes que misturam surrealismo com caos, uma longa e apocalíptica história sobre o fim. O início é histórico: “Este é o fim, brilhante amigo. Este é o fim, meu único amigo: o fim. De todos nossos planos elaborados, o fim. De tudo que se ergue, o fim. Sem surpresa ou segurança, o fim. Nunca mais olharei em seus olhos.” Mais alguns minutos de loucura e o teclado recebe destaque ao fundo, levando música à palavra. Foi censurada em dezenas de países, principalmente pela parte em que ela se mescla à Édipo Rei e Morrison canta sua frase mais conhecida: “Pai, eu quero te matar. Mãe, quero te comer.” Os instrumentos perdem o controle e a voz ao fim, “venha, venha, vamos foder, vamos, venha, foder, foder”, do modo mais subversivo possível, com a anarquia caótica se transformando em arte, até tudo se acabar com socos na bateria e a voz, “matar, matar, matar, matar, matar.” É mister Mojo Risin‘ destruindo a sociedade em versos, até o toque do começo voltar e ele terminar com outra estrofe, “este é o fim.” A mais longa canção dos Doors fecha o álbum com clima épico. Elvis Presley pode dizer de peito erguido: seu som, o rock ‘n’ roll, tinha se tornado arte, finalmente.

The Doors foi uma banda que mudou toda a história. Enquanto o resto do mundo se voltava à paz e amor dos hippies (exceto, é claro, os governantes estadunidenses), eles seguiam o lado da loucura e do caos, misturado à psicodelia e uma música que é na verdade a mistura de todos os gostos dos membros, desde o jazz até o samba. A Elektra criou a capa perfeita, cores escuras e rostos tristes, com maior destaque a Morrison, claro: era ele o rosto da banda, sem sombra de dúvida. Tudo que veio antes tinha que ser reavaliado. A sociedade, a literatura, o rock, tudo tinha sido alterado pelos Doors. Interessante que eles não só chegaram ao topo, como ainda se manteram lá; os álbuns seguintes fariam ainda mais sucesso, mas isso é assunto para outra hora, porque está tarde demais, tarde demais, tarde demais, tarde demais...

quarta-feira, julho 26, 2006

Led Zeppelin I – Led Zeppelin


1969. O mundo assistia a chegada do homem à lua como o ápice da Guerra Fria. Nas ruas os hippies gritavam por paz e amor, toda a voz de uma geração unida em coro contra a guerra do Vietnã. Os Beatles lançavam seu último álbum antes do fim, Abbey Road, e já não eram mais a banda revolucionária do Sgt. Peppers. Os jovens buscavam novos ídolos: os anos ‘60 tinham acabado. Nesse cenário de caos musical, surge o blues elétrico, cada vez mais pesado, de bandas como Cream, Yardbirds e The Jimi Hendrix Experience. Com o fim dos Yardbirds, um de seus membros, Jimmy Page, resolve formar uma banda com os rapazes Robert Plant, John “Bonzo” Bonham e John Paul Jones. Estava formado o conjunto que Keith Moon, então bateirista dos Who, chamou de “dirigível de chumbo” por sua capacidade de ser leve e pesado ao mesmo tempo. Estava formado o Led Zeppelin. Eles já demonstravam qual era sua maior influência: o blues. Interpretavam canções de Willie Dixon (que chegou a processá-los por plágio), Muddy Waters e Robert Johnson com freqüência. Mas apesar disso, não tinham um álbum. Após um acordo com a Atlantic Records, resolveram gravar seu primeiro LP, com um nome bem sugestivo: Led Zeppelin. (Depois acrescentariam o “I” para diferenciar dos futuros álbuns II e III.)

A crítica da época classificou o disco como desperdício de talento. Era inegável que era uma banda de qualidade, sendo que Jimmy Page e John Paul Jones já eram bastante conhecidos como os grandes produtores que eram (chegaram a gravar com os Who, Kinks e Rolling Stones). Mas temos que analisar o contexto, claro: o álbum era diferente de tudo que havia sido feito até então. Era pesado, com os instrumentos soando a todo o volume, num estilo que, por um caminho ou por outro, ajudaria a criar o heavy metal. As influências eram claras: além do blues, bandas relativamente novas como The Who, visto que muitas vezes eles tocavam os instrumentos em conjunto como se cada um deles estivesse soando, ou como o próprio Cream de Clapton. O público adorou. Com apenas esse álbum, o Led Zeppelin foi considerado já uma das bandas mais inovadoras de todas. A onda dos anos ‘70 estava apenas começando...

É com uma batida que se inicia o primeiro trabalho do Zep. “Good Times, Bad Times” é um rock de qualidade, com destaque à percussão e à guitarra. Plant canta principalmente, mas os outros membros ajudam nos vocais. O refrão é realmente animador, e já mostra as interrupções de ritmo momentâneas que se tornaria em breve uma espécie de marca registrada. A letra fala sobre o paradoxo entre tempos bons e tempos ruins, algo que fica bastante claro no título. Uma faixa inicial sensacional que, apesar de tudo, só dá uma dica sobre o que virá à frente.

“Babe, I‘m Gonna Leave You” abre com um violão ao fundo, numa melodia que chega a lembrar um pouco o ritmo latino. Plant começa a cantar de um modo sereno a canção de fim de paixão que diz “amor, vou lhe deixar.” Por um tempo, ela se mantém nesse padrão, até entrar a guitarra e o vocal se tornar mais forte. A cada fim de estrofe da letra, entra um instrumento. Os outros sons chegam com estrondo e ouvimos pela primeira vez algo realmente profundo e pesado. A primeira das incontáveis canções longas do Led Zeppelin, que apesar disso não entedia, deixando as cordas ao fundo sempre com ênfase maior, e o vocal fundo que canta quase que como encenando a letra. É emoção pura.

A próxima faixa é imortal. “You Shook Me” foi gravada por Muddy Waters, dez anos depois por Willie Dixon, vinte anos depois pelo próprio Led Zeppelin e dez anos depois pelo AC/DC. É aqui que Jimmy Page diz a que veio. Um blues forte com a bateria ao fundo tocando como uma grande blues band. O vocal se arrasta, mas esse é um dos primeiros vocais que não tenta imitar a voz negra tão característica nesse tipo de música. Eles tentam criar algo completamente novo, mas sem deixar as raízes de lado, e conseguem. Destaque para a gaita no meio da música. Uma canção poderosa como só eles poderiam fazer.

Um baixo calmo abre uma das melhores músicas do Led Zeppelin: “Dazed and Confused.” O tom é triste, guitarras soam ao fundo de modo estranho. Plant entra com sua voz, que serve não só de início, mas também como abertura a Jimmy Page, que entra em seguida com o melhor de si. A canção segue com sua melancolia, até as guitarras gritarem e a bateria se tornar mais violenta. Nesse momento o ouvinte já está enfeitiçado por cada acorde, cada verso, cada batida. Num momento a voz fica de lado e entram todos os sons, acompanhados de barulhos atormentadores. É uma faixa com alma própria, que segue sozinha até tudo se tornar rápido e a guitarra berrar mais uma vez, dessa vez já no fim. Um dos melhores solos do disco, que só termina quando novamente os acordes e versos do começo voltam a ser tocados e cantados com poucas alterações, para terminar com mais sons, dessa vez acalmantes. Belo exemplo de Led Zeppelin.

Teclas entram e o órgão se torna bravo, enorme, até se acalmar na faixa mais baladeira do disco: “Your Time is Gonna Come.” É uma letra menos séria, dessa vez sobre vingança amorosa. Por outro lado, não pensem que é só mais uma canção de amor: é um rock dos bons. As cordas soam atrás e o vocal entra com tudo, até o refrão chegar em coro. “A sua vez vai chegar”, ele promete. A percussão corre atrás antes da voz voltar. (Outra interrupção de ritmo...) Eles seguem esse padrão, que funciona bem e sem compromisso. O refrão chega mais uma vez para preparar para a próxima faixa.

“Black Mountain Side” é quase que uma amostra do que eles fariam poucos anos à frente, com o Led Zeppelin IV, em acordes indianos leves que tocam com batuques ao fundo. Nada de hard blues dessa vez, agora é sua uma melodia linda e muito bem tocada.

O baixo soa violento em “Communication Breakdown.” A guitarra acompanha e a voz grita um blues rápido e muito pesado. A percussão está sensacional, claro. Novo solo de guitarra, igualmente bom. Tudo se torna mais violento e mais veloz, até as mãos de John Paul Jones voltarem a bater no baixo com força e o refrão encerrar a canção.

Com a voz berrada de Robert Plant começa “I Can‘t Quit You, Baby.” Todos os instrumentos entram logo depois, desordenadamente ordenados, em outro blues que grita, como Bonzo esmurrando a bateria. A guitarra continua a vibrar, e o baixo serve como ponto de calma entre os sons, seguindo uma melodia enquanto Jimmy Page se descontrola e explode o ritmo da forma mais genial possível. No fim, tudo se acalma por um instante até voltar com força para o gran finale.

“How Many More Times” inicia com a bateria entre a violência e a calma e toques de guitarra repentinos. O vocal e o baixo estão desde o começo da música até o fim. Uma melodia cortante, pesada, dessa vez com mais destaque ao baixo. A letra é tão pesada quanto o próprio som. É a faixa mais longa do álbum e uma das mais longas da banda. Não é a duração comprida que atrapalha o desenvolvimento da música, muito pelo contrário. Ela não se mantém numa mesmice, pois se altera entre diferentes ritmos e timbres, como deveria ser qualquer fechamento de um álbum como esse.

...

Concluindo, depois desse disco o rock nunca mais foi o mesmo. Ele apresentou ao mundo da melhor forma possível a futura maior banda da década. Ele recriou todo um novo estilo, alterou todos os parâmetros, transformou de vez o blues em música ainda mais sofisticada; provou que a guitarra, baixo e bateria, quando tocados juntos e em alto volume, não produzem apenas barulho. Cronologicamente, a década de ‘70 começou em 1º de janeiro de 1970. Mas para os apreciadores de boa música, ela começou mesmo no Led Zeppelin I.

terça-feira, julho 25, 2006

Pet Sounds – The Beach Boys


O nome do disco é Pet Sounds. ‘Tá bom, chegamos a um consenso: a capa é estranha pra caramba, todos os cinco Beach Boys são feios e o próprio nome da banda nos dá a idéia de uma banda de praia com baladinhas comerciais, algo que podemos representar atualmente com os Rebeldes e Calypsos da vida. Ninguém pensa só pela capa que é um disco de rock. E, tecnicamente, não é muito, mesmo. Ok, já levamos em conta todos os aspectos negativos, agora vamos em frente: a crítica da época considerou o disco uma obra-prima, os fãs estranharam a diferença súbita entre as canções melódicas desse álbum e a velha surf music que os Beach Boys faziam antes, e esse álbum foi usado como fonte de inspiração para que os Beatles criassem o Revolver e o Sgt. Pepper‘s. Poxa, quer mais que isso?

A resposta ao grande porquê que nos fica estampado na cara quando ouvimos esse disco e perguntamos como os Beach Boys puderam evoluir tanto é simples: Brian Wilson. O líder da banda, produtor e quem fazia a maior parte dos arranjos, passou tudo que sentia ao álbum: todos os sentimentos que gritavam no seu interior (temos que lembrar que ele era esquizofrênico) e todas as melodias complexas que pulavam em sua cabeça. Filho de um homem austero, que foi quem montou a banda já com o intuito de transformar o filho em um artista rico, sentia-se pressionado e exilado do mundo. Viajou em LSD alguns anos depois. Mas lembrem-se: quando foi lançado o Pet Sounds, ainda estávamos em 1966, os Stones estavam começando a decolar como os Beatles (esses ainda no Rubber Soul, sem beber da psicodelia), num cenário estadunidense de praias e surfe. Meros detalhes técnicos: a banda era formada por Brian Wilson tocando violão, orgão, piano e teclados, Mike Love como vocalista principal, Carl Wilson no violão, Al Jardine nos vocais e Dennis Wilson na bateria. Todos eles ajudavam nos backing vocals e ainda tinham uma orquestra de cinqüenta e cinco músicos à sua disposição, presente da Capitol/EMI.

É com acordes leves que começa o álbum, demonstrando toda uma linha de música que os Beach Boys seguiriam pelo resto do disco. “Wouldn‘t it Be Nice” se inicia leve, até entrar a percussão e os backing vocals soando como se fossem outro instrumento. Todos os instrumentos são tocados com precisão absoluta, e a letra, linda, fala de um amor eterno em “não seria legal se fossemos velhos?/assim não teríamos que esperar tanto.”

“You Still Believe Me” tem um toque leve, e o vocal segue cantando de forma crescente, assim como sua letra, que também linda, fala de amor eterno. Destaque para a pausa no fim em que o vocal pára e volta a cantar. É aqui que percebemos que o álbum não é simplesmente uma junção de canções, mas sim uma grande canção que se estende até o fim.

A faixa seguinte, “That‘s Not Me”, é uma das mais lindas canções sobre solidão e família. As cordas soam ao fundo de forma maravilhosa. A letra, tudo. Impossível de descrever ouça. O refrão, “uma vez tive um sonho/então empacotei tudo/e pulei para cidade”, que se altera nas palavras mas mantém o mesmo tom, é, por falta de palavra melhor, emocionante.

“Don‘t Talk (Put Your Head On My Shoulder)” inicia as músicas tristes do álbum. O vocal soa como um lamento e os instrumentos se demonstram lentos e crescentes. A canção segue a letra: “não fale/ponha sua cabeça em meu ombro”, pois segue uma linha que acalma até o headbanger mais fanático por Judas Priest. Podemos ouvir um violino ao fundo, e é ele que dá o toque que revira a canção, com a bateria logo após, pouco antes de a voz voltar e o ouvinte se acalmar.

“I‘m Waiting for the Day” é a canção mais alegre do disco, com percussão super animada no começo, até se acalmar e a animação cair sobre o vocal, que canta sobre a ansiedade por um dia em que o amor possa dar certo. Uma bela música, realmente animadora.

A próxima faixa, “Let‘s Go Away For Awhile” é totalmente instrumental, numa linda melodia que vai crescendo conforme outros instrumentos se unem aos anteriores, até mudar completamente e se tornar outra melodia linda...

“Sloop John B” é um rock clássico, símbolo dos símbolos, que os Beach Boys transformam em música para ser cantada com os amigos. Uma cantiga alegre que vai se estendendo...

E é então que começa a canção que, segundo Paul McCartney, é a música mais bela de todos os tempos. “God Only Knows” tem o vocal triste e bonito de Carl Wilson. A música começa com um tom meio fazendeiro, mas é só a apresentação da letra memorável que diz que “só Deus sabe o que eu seria sem você...” Melodia e letra se confundem de forma brilhante, o violino conduz a sinfonia em meio a sons de todos os cantos... Emocionante. (Opinião pessoal: melhor música do álbum.)

“I Know There‘s An Answer” se guia pela letra, que tem o refrão lindo e uma letra que trata de ego e opinião alheia. Os instrumentos estão soberbos, mas já está se tornando um pouco lugar-comum dizer isso...

A faixa seguinte tem uma das letras e melodias mais lindas que Brian Wilson pôde inventar. “Here Today” começa lenta e baseada principalmente no vocal, até o momento em que entram os backing vocals e tudo se torna uma longa e alegre canção sobre amor, que vai, volta e vai de novo. É o tipo de canção que quem não gosta de Beach Boys tem que ouvir para aprender a gostar.

É na letra que se baseia “I Just Wasn‘t Made For These Times”: uma canção sobre incapacidade de se relacionar, algo profundo que só Brian Wilson poderia fazer. Os vocais se tornam emocionantes, os instrumentos se tornam mais harmoniosos, e o ouvinte fica parado em frente à caixa de som sem mexer um músculo, apenas admirando.

“Pet Sounds”, faixa-título, é instrumental. As cordas soam no fundo de uma maneira tão estranha, mas tão bela, e chocalhos se confundem de tal maneira que você chega a imaginar uma letra para tal melodia...

E é com a triste e linda “Caroline, No” que se encerra a obra-prima dos garotos da praia. Fala sobre amor perdido, tão calma, de forma que os bongôs que tocam no fundo dão a impressão de batimentos do coração, e no fim os tais “sons de animais” mistos a um trem, fecham o álbum... genial.

E acaba o disco. Se existiu algum rival à altura dos Beatles, em composição e arranjos, nunca foram os Rolling Stones: estes estavam ocupados demais revolucionando o blues. Foram os Beach Boys que entraram como banda que revolucionou o rock melódico, influenciando um sem-número de músicos posteriores com sua maneira de tocar e cantar. Brian Wilson poderia morrer feliz depois desse álbum: tinha conseguido chegar ao canto dos anjos.

Revolver – The Beatles


Una as palavras Beatles e psicodelia e a imagem que lhes virá à mente será a da capa do Sgt. Peppers, de 1967, álbum supra-sumo dos Fab Four com alguns dos maiores clássicos da lisergia musical, como Lucy in the Sky with Diamonds e A Day in the Life. Sem dúvida o começo de todo o rock complexo, o ponto divisório de tudo. Verdade? De certo ponto de vista, sim: ele realmente separa o rock. Mas os Beatles já não eram a banda de She Loves You havia um bom tempo. Começaram a se afastar do tradicional mersey beat já no Help!, onde davam grandes exemplos de composições fortes (como em Yesterday) e mistura de estilos, como o semi-folk em You‘ve Got to Hide Your Love Away. O álbum seguinte, Rubber Soul, trazia grande inspiração na música indiana (inesquecível a abertura de Norwegian Wood com a cítara) e John Lennon já demonstrando ser um grande letrista em Nowhere Man e In My Life. Mas, caso encerrado: foi com o Revolver que os Beatles começaram a mudar o rock.

O álbum abre com uma das melhores composições de George Harrison, o eterno silent beatle: “Taxman.” Como bom cidadão que era, George um dia foi avaliar seus impostos e percebeu que eram impagáveis para boa parte da população inglesa. Como bom artista que era, transformou a situação injusta em arte. Com uma guitarra distorcida, abre a canção como o próprio “taxista” dizendo seus métodos: “é um pra você, dezenove pra mim“, clara referência ao preço que a rainha cobrava. E ainda continua, enquanto sua guitarra grita provando que sim, ele foi um dos maiores guitarristas de todos os tempos: “fique agradecido por eu não pegar tudo.”

A segunda faixa prova o quanto Paul McCartney era importante para a banda como músico. Imaginem um rock sem guitarras, apenas violinos. Essa é “Eleanor Rigby.” Enquanto a orquestra segue com suas cordas, Paul canta uma epopéia liverpooliana em terceira pessoa, como só ele podia fazer. As vozes de apoio estão sensacionais. É uma canção triste, apesar de tudo. Paul sempre disse que o nome Eleanor Rigby foi inventado para a música, mas é interessante que existe uma tumba com esse nome gravado em Liverpool, e a canção fala: “Eleanor Rigby, morreu na igreja/ e foi enterrada só com seu nome/ninguém veio.” Marco da história do rock, em todos os aspectos.

John Lennon entra no disco com um disparo de uma de suas mais belas baladas, “I‘m Only Sleeping”: “quando acordo de manhã, levanto minha cabeça, ainda estou bocejando”, numa canção simples sobre seu hábito de ficar até tarde na cama. A música tem todo um ar de guitarras e bateria em harmonia, num refrão que se repete, como um pedido de John: “quando acordo de manhã/[...] por favor, não estrague meu dia.” Termina com o instrumento que se mostrará melhor mais adiante, em Tomorrow Never Knows.

“Love You Too”, faixa seguinte, é outra composição de George, dessa vez com forte indício de música indiana, desde os vocais até a cítara. Uma canção com uma letra filosófica, seguindo a linha que George viria a seguir em todas as suas futuras canções que tivessem esse clima, como Within You, Without You e Long, Long, Long. Um belo arranjo de cordas: George novamente mostrando que, se estava nas sombras atrás de Paul e John, era porque queria e não por falta de talento.

Nova balada de Paul em “Here, There and Everywhere”: uma das preferidas dos próprios Lennon/McCartney, escrita logo após de Paul ouvir God Only Knows, dos Beach Boys. A melodia é linda, fixante e marcante. A voz de McCartney se ergue sobre vocais dos outros Beatles entoados de forma romântica, numa balada que marca por sua beleza, em prova de amor eterno: “estarei aqui, lá e em qualquer lugar.” Linda, pô.

A sexta música é um dos grandes sucessos dos Beatles, que chegou a ser transformada em um dos melhores desenhos animados já feitos: “Yellow Submarine”. Viagem de ácido? Brincadeira interna entre os membros? Nunca saberemos: Paul diz que foi uma música escrita quando estava deitado na sua cama, quase dormindo, pensando em uma canção para que Ringo cantasse. “Ele tem jeito com crianças.” Experimentalismo puro, sem dúvida: vários instrumentos desconhecidos e barulhos, de sinos a correntes, são tocados no meio da música, que tem o velho refrão que contagia a todos por sua simplicidade. Porque, afinal, todos nós vivemos num submarino amarelo.

A guitarra de George grita na canção que marca o tom do álbum, “She Said, She Said”: cordas lancinantes, voz harmoniosa, letra psicodélica. A melodia é de Lennon, assim como a letra baseada na frase de uma amiga que certa vez disse que “sabia o que era estar morta.” A música segue uma linha de vozes e sons que não se perde até o fim, e só é interrompida quando John canta o refrão. Quer exemplo melhor de contribuição ao rock?

Um piano começa e é acompanhado por uma bateria. De repente, uma voz canta outra balada de Paul: “bom dia, raio de sol!” É assim que começa “Good Day Sunshine”, faixa fortemente apoiada no refrão e no piano, com leve toque de humor. McCartney novamente conta uma historinha dentro de uma canção: uma das músicas mais divertidas e memoráveis dos Beatles. Paul mostra aqui sua habilidade com as palavras, transformando refrão em música e música em arte.

A guitarra grita e começa “And Your Bird Can Sing”. Aqui John Lennon mostra todo o rock and roll que poderia fazer, com os vocais acompanhados e a sua própria voz, cantada emocionantemente. Tem influência ainda de seus primórdios, mas a guitarra de George, distorcida a tal ponto que chega a lembrar Jimi Hendrix, mas tocada em uma velocidade diferente do normal, acompanhada de leve com a bateria. Prova inegável de que os Beatles eram uma banda de rock, e ponto final.

Aqui vem um dos momentos sérios do álbum, em uma canção com vários instrumentos e acompanhamento forte, com uma letra romântica, que lembraria The Fool on the Hill, do Magical Mistery Tour. “For No One”, canção que tem instrumentos de sopro, piano e pratos tocados em conjunto, com a voz de Paul viajando em paixões literárias...

Havia um médico que servia LSD a seus pacientes quando a droga ainda era legal. Quase todos os artistas, escritores, hippies e cabeludos da época experimentavam o tal comprimido com o tal. John experimentou, e escreveu uma música sobre ele: “Dr. Robert.” Novamente a guitarra que lembra suas canções anteriores e a letra descompromissada mas viajante. É John Lennon e os Beatles no auge de seu rock baladeiro.

“I Want to Tell You”, faixa seguinte, nova canção de George que segue em ritmo crescente, é um show de instrumentos e vocais. A voz principal soa cada vez mais emotiva e fascinante, assim como os instrumentos, que se tornam mais fortes conforme a melodia avança. A letra, muito romântica, fala de quando o coração diz o que a mente não quer. A guitarra soa como nas outras, com o estilo Revolver de ser. Ringo arrasa na bateria, calando a boca de um protente Keith Moon que um dia diria que ele “não prestava.”

“Got to Get You Into My Life”, do Paul, pula o estilo amoroso que ele adotava no álbum até então: é uma música que, nas entrelinhas, fala de seu amor à maconha. Ele nega até a morte, mas essa é, sim, provavelmente a verdade. Não deixa de ser uma canção linda, com seus vocais exaltados e bateria tocada como uma segunda voz. Nada de pancada, nada de crítica, nada de guitarras. Paul queria saber de música romântica. E foi talvez o melhor músico de todos os tempos nesse quesito.

John Lennon disse ao “quinto Beatle”, o produtor George Martin, que queria fazer uma música em que soasse como um monge gritando do alto de uma montanha. A música se chamava “Tomorrow Never Knows”, e foi escolhida como a última faixa do Revolver. Martin analisou a letra e fez uma de suas confusões lisérgicas, com gravações de guitarra tocando de trás para frente e de frente para trás sem ordem para que parecesse o som de aves gritando. A bateria tocam forte ao fundo e a voz de John – vejam só – soa como a de um monge entoando sabedoria para os quatro ventos. A letra faz uma provável apologia às drogas, mas não deixa de ser filosófica: “desligue sua mente.” É, basicamente, sobre meditação. Genial, por seu experimentalismo que resultou numa mistura, um amontoado de sons harmonisosos... só ouvindo para crer.

Enfim, é com o “canto das aves” que o álbum termina. A voz de Lennon canta ao fundo, e nós só podemos nos despedir do que para mim é o melhor álbum da melhor banda de todos os tempos.

Poueréde bai Bróguer
e Meu saco em mexer em templates (e meu também.) [Ei, caralho! Eu também quero um link!]