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Nevermind – Nirvana


Guitarra é a palavra. Mudou toda a geração jovem, de ontem e de hoje. A culpa também foi daquela cidade estadunidense que por lá é conhecida como terra da garoa, em oposição à nossa São Paulo: Seattle. Aqueles adoidados que usavam camisa de flanela, All Stars e calças rasgadas eram influenciados por tudo que o hard rock e o heavy metal lhes ensinou a fazer com seus riffs, e tudo que Sex Pistols e as punk-bands os ensinaram a falar, compor e agir. Era uma filosofia de atitude predominantemente punk e som com tendências metálicas, mas esses dois estilos fundiam-se num só: o grunge. O que não conseguiam fazer com suas vozes roucas características, gritavam nas guitarras: anarquia, liberdade e rock ‘n’ roll. Por todos os integrantes das bandas serem jovens, era comum que a maior parte das letras fossem sobre a angústia e os sentimentos comuns entre os adolescentes, o que deu a falsa impressão de “música de moleque” para os desavisados. Isso porque o rock em si, não somente grunge ou punk, já é predominantemente rebelde e juvenil, até nos rocks psicodélicos e progressivos de bandas ”sérias” como Pink Floyd ou The Doors, numa análise mais profunda: de Another Brick in the Wall (“we don‘t need no education”) a Light My Fire (“girl we couldn‘t get much higher”). Além disso, existem exemplos de grandes composições grunges mais sérias como “Polly”, “Something in the Way” e “Dumb”, isso se ficarmos só no Nirvana. Levem em conta que ainda não foi citado o som grunge, com forte influência direta de bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, The Stooges et cetera. Eram melodias harmoniosas tocadas de maneira nua e crua, com uma guitarra, um baixo e uma bateria. Rock garageiro, então. E música variável, também: algumas bandas eram pesadas, chegando à proximidade com o heavy metal, inclusive, como Alice in Chains e Soundgarden. Outras abusavam da garagem, como Mudhoney e Nirvana. Mas não se empolguem: esse texto não é sobre a cena musical de Seattle, mas sobre o segundo álbum da banda de Kurt Cobain, Chris Novoselic e Dave Grohl. E essas duas coisas estão intimamente ligadas. Não fosse por ele, não existiria prova palpável de que o som de Seattle era realmente bom e contagiante. Vamos, então, às canções.

Os acordes iniciais de “Smells Like Teen Spirit” são conhecidos mundialmente, (infelizmente) graças ao excesso de atenção que a banda recebeu da MTV no começo da década de 90. A guitarra que iria ser imitada por quase todas as bandas que vieram depois entra mais veloz e furiosa junto da bateria, para uma abertura rápida do que viria a seguir. Tudo se acalma para a voz de Kurt começar a recitar melodicamente seus versos. O refrão é pesado, fixante, elaborado, e acompanha toda a composição, para manter o clima de angústia: a música continua a seguir a estrutura versos calmos - refrão pesado - solo de guitarra, assim como boa parte das músicas do Nirvana fariam. A letra toda é o hino de uma época, para manter a postura do lugar-comum. Uma viagem à rebeldia, à voz de toda uma geração resumidas em uma canção...

“In Bloom“ é barulheira no começo. Barulho organizado, que desagradará os mais velhos por seu acentuado número de decibéis. Heheh. O começo é alto, como toda boa apresentação nirvanense. Seguindo a já falada estrutura, tem algumas interrupções para dar destaque à bateria (influência de Led Zeppelin, talvez?), início sombrio e, adivinhem: refrão que gruda. A letra é provavelmente um ataque aos fãs debilóides: “ele é o cara que gosta de nossas canções bonitas/e ele gosta de cantar sozinho/e ele gosta de atirar sua arma/mas ele não sabe o que isso significa.” Ouça no último volume.

O riff de “Come As You Are” é tópico indispensável para quem está aprendendo guitarra. Já deve ter se tornado patrimônio público. Isso não tira o clima baladeiro da música, com o baixo recebendo todo o destaque (ponto para Novoselic!). Um ritmo meio lisérgico, por outro lado, que chega a lembrar os Doors e sua dilacerante viagem pela inconsciência humana, misturado à voz rouca de Cobain e sua letra direta, mas competente. Foge um pouco da regra, por ser mais lenta e leve que as outras, mas também tem um refrão ensurdecedor. “E eu te juro que não tenho uma arma/não, eu não tenho uma arma.” Alusão ao suicídio? Só Kurt sabe.

O baixo em “Breed” é daquelas coisas que muita gente queria fazer, mas não consegue. Seguindo um estilo mais riff-segurando-a-música-nas-costas, ela é o ponto mais distorcido do álbum, até agora (?). A letra é, malemá, um resumo do pensamento grunge, com o a frase inicial “não me importo” sendo repetida muitas vezes. Bem punk, com uns solinhos de guitarra fodões no meio.

“Lithium” parece mais uma dessas baladinhas bobas que tocam à toda na Jovem Pan. Engano, leitor. Além da letra descompromissada (o que muitas vezes gera uma pretensão meio babaca que só estraga o resultado final), o ritmo é contagiante e cresce no refrão conforme a música se desenvolve. Belo exemplo de som para se tocar em meio a amigos sedentos de rock, puro e cru. As cordas, todas, aqui mostram que toda a distorção usada excessivamente não só é mero charme, como eles conseguem fazer boa música sem ela.

Falando em cordas, ‘tá aí para ouvidos desatentos um exemplo curto, mas marcante, de jogo de cordas. “Polly”, além de ter uma letra genial – baseada numa notícia que Kurt lera nos jornais –, que narra um seqüestro do ponto de vista do seqüestrador, o vocal e os arranjos estão impecáveis. Não dispensa a estrutura comum, mas não há peso aqui, nem guitarras gritantes, nem nada. E o resultado é dos melhores: prova incontestável que Nirvana não é banda de adolescentezinho berrador.

O vocal (surpreendentemente, de Krist Novoselic e não de Kurt Cobain, monopolizador de vozes) grita “vamos, agora sorriam ao seu irmão, todos fiquem juntos, tentem amar um ao outro agora mesmo”, e logo após é seguida de uma parede de microfonia para entrar a pauleira que é “Territorial Pissing.” A palavra é a já usada: distorção. De guitarras, de vozes, de tudo. Mas isso só engrandece o clima maníaco da música, o quê de punk que ela tem. Sensacional, mesmo. Até barulho se torna melodia.

A dobrada “Drain You”/“Lounge Act” é, à via de regra, chocante. A primeira, desde sua letra, que já começa com “um bebê diz a outro/sou sortudo em lhe conhecer”, até seus acordes devastadores e suas interrupções soturnas, nada românticos. O refrão, lindo, passa desapercebido a ouvidos menos atentos: é uma canção de amor. Preste atenção: o grunge é poético, com toda a ironia que isso pode significar. Já “Lounge Act” é mais agitada e padronizada, e as cordas parecem não parar de gritar desde o fim da outra, exceto talvez pelos ruídos bucais de seu início. O refrão continua agitador e todos tocam seus instrumentos como se estivessem destruindo-os (e talvez estivessem). Destaque para o final da música, que muitos dizem ter sido inspirado no mesmo fim de “Panis et Circenses”, dos Mutantes. Que parece, parece.

“Stay Away” é punk, sobre todos os aspectos. Uma crítica aos próprios grunges (“macaco vê/macaco faz”), um grito de rebeldia (o verso principal, “se afaste!”, é repetido diversas vezes) e uma clássica canção de Nirvana (desde a voz até os instrumentos característicos no meio da música). O tipo de música que a maioria das bandas punks de hoje querem a vida toda fazer e não conseguem. Única: ouça-a e saia gritando com seus pais.

O último grito do disco vem à tona, “On a Plain” é uma grande metáfora de muitas interpretações. Não fica explícito o que a “planície” do título é. Além dos primeiros toques e a abertura pesada, ela segue um ritmo e não pára até eles se cansarem. Além do refrão, mais melódico e estilizado, se destaca o final, com seus vocais que lembram os de “The Ocean”, do Led Zeppelin. (Ok, vou parar de comparar Nirvana com outras bandas clássicas, prometo.)

Mas não pensem que acabou. Falta o último suspiro, “Something in the Way.” Além de uma letra densa e perturbadora, metafórica ao extremo, tem cordas que angustiam até o refrão marcante, que se resume a “something in the way, oooh” e se repete conforme se desenrola. Aqui Kurt Cobain nos dá seu último show no vocal, e a bateria mostra que também consegue ser calma. Para terminar com chave de ouro, canção digna de fechamento de outros discos famosos como “A Day in the Life” foi para o Sgt. Pepper‘s e “The End” para o The Doors. (Ops. Comparei de novo.)

Enfim, Nirvana provou ao mundo que o rock estava sujeito à rebeldia da adolescência e que poderia voltar à sua simplicidade sem por isso se tornar algo de má qualidade, muito pelo contrário. Lou Reed estava certo ao afirmar que para o rock só são necessários uma guitarra, uma bateria e um baixo. Cobain, Grohl e Novoselic levaram esse ensinamento à risca. Resta saber se daqui a alguns anos serão tão lembrados tanto pelos extraordinários músicos que eram como pela imagem de símbolos de toda uma geração. Só podemos esperar que seja pelos dois. Nevermind veio e quebrou todas as barreiras impostas. Definitivamente, um marco. E um dos poucos álbuns de qualidade incontestável dos últimos anos. É ouvir para crer.

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Poueréde bai Bróguer
e Meu saco em mexer em templates (e meu também.) [Ei, caralho! Eu também quero um link!]