segunda-feira, agosto 28, 2006

Nevermind – Nirvana


Guitarra é a palavra. Mudou toda a geração jovem, de ontem e de hoje. A culpa também foi daquela cidade estadunidense que por lá é conhecida como terra da garoa, em oposição à nossa São Paulo: Seattle. Aqueles adoidados que usavam camisa de flanela, All Stars e calças rasgadas eram influenciados por tudo que o hard rock e o heavy metal lhes ensinou a fazer com seus riffs, e tudo que Sex Pistols e as punk-bands os ensinaram a falar, compor e agir. Era uma filosofia de atitude predominantemente punk e som com tendências metálicas, mas esses dois estilos fundiam-se num só: o grunge. O que não conseguiam fazer com suas vozes roucas características, gritavam nas guitarras: anarquia, liberdade e rock ‘n’ roll. Por todos os integrantes das bandas serem jovens, era comum que a maior parte das letras fossem sobre a angústia e os sentimentos comuns entre os adolescentes, o que deu a falsa impressão de “música de moleque” para os desavisados. Isso porque o rock em si, não somente grunge ou punk, já é predominantemente rebelde e juvenil, até nos rocks psicodélicos e progressivos de bandas ”sérias” como Pink Floyd ou The Doors, numa análise mais profunda: de Another Brick in the Wall (“we don‘t need no education”) a Light My Fire (“girl we couldn‘t get much higher”). Além disso, existem exemplos de grandes composições grunges mais sérias como “Polly”, “Something in the Way” e “Dumb”, isso se ficarmos só no Nirvana. Levem em conta que ainda não foi citado o som grunge, com forte influência direta de bandas como Led Zeppelin, Black Sabbath, The Stooges et cetera. Eram melodias harmoniosas tocadas de maneira nua e crua, com uma guitarra, um baixo e uma bateria. Rock garageiro, então. E música variável, também: algumas bandas eram pesadas, chegando à proximidade com o heavy metal, inclusive, como Alice in Chains e Soundgarden. Outras abusavam da garagem, como Mudhoney e Nirvana. Mas não se empolguem: esse texto não é sobre a cena musical de Seattle, mas sobre o segundo álbum da banda de Kurt Cobain, Chris Novoselic e Dave Grohl. E essas duas coisas estão intimamente ligadas. Não fosse por ele, não existiria prova palpável de que o som de Seattle era realmente bom e contagiante. Vamos, então, às canções.

Os acordes iniciais de “Smells Like Teen Spirit” são conhecidos mundialmente, (infelizmente) graças ao excesso de atenção que a banda recebeu da MTV no começo da década de 90. A guitarra que iria ser imitada por quase todas as bandas que vieram depois entra mais veloz e furiosa junto da bateria, para uma abertura rápida do que viria a seguir. Tudo se acalma para a voz de Kurt começar a recitar melodicamente seus versos. O refrão é pesado, fixante, elaborado, e acompanha toda a composição, para manter o clima de angústia: a música continua a seguir a estrutura versos calmos - refrão pesado - solo de guitarra, assim como boa parte das músicas do Nirvana fariam. A letra toda é o hino de uma época, para manter a postura do lugar-comum. Uma viagem à rebeldia, à voz de toda uma geração resumidas em uma canção...

“In Bloom“ é barulheira no começo. Barulho organizado, que desagradará os mais velhos por seu acentuado número de decibéis. Heheh. O começo é alto, como toda boa apresentação nirvanense. Seguindo a já falada estrutura, tem algumas interrupções para dar destaque à bateria (influência de Led Zeppelin, talvez?), início sombrio e, adivinhem: refrão que gruda. A letra é provavelmente um ataque aos fãs debilóides: “ele é o cara que gosta de nossas canções bonitas/e ele gosta de cantar sozinho/e ele gosta de atirar sua arma/mas ele não sabe o que isso significa.” Ouça no último volume.

O riff de “Come As You Are” é tópico indispensável para quem está aprendendo guitarra. Já deve ter se tornado patrimônio público. Isso não tira o clima baladeiro da música, com o baixo recebendo todo o destaque (ponto para Novoselic!). Um ritmo meio lisérgico, por outro lado, que chega a lembrar os Doors e sua dilacerante viagem pela inconsciência humana, misturado à voz rouca de Cobain e sua letra direta, mas competente. Foge um pouco da regra, por ser mais lenta e leve que as outras, mas também tem um refrão ensurdecedor. “E eu te juro que não tenho uma arma/não, eu não tenho uma arma.” Alusão ao suicídio? Só Kurt sabe.

O baixo em “Breed” é daquelas coisas que muita gente queria fazer, mas não consegue. Seguindo um estilo mais riff-segurando-a-música-nas-costas, ela é o ponto mais distorcido do álbum, até agora (?). A letra é, malemá, um resumo do pensamento grunge, com o a frase inicial “não me importo” sendo repetida muitas vezes. Bem punk, com uns solinhos de guitarra fodões no meio.

“Lithium” parece mais uma dessas baladinhas bobas que tocam à toda na Jovem Pan. Engano, leitor. Além da letra descompromissada (o que muitas vezes gera uma pretensão meio babaca que só estraga o resultado final), o ritmo é contagiante e cresce no refrão conforme a música se desenvolve. Belo exemplo de som para se tocar em meio a amigos sedentos de rock, puro e cru. As cordas, todas, aqui mostram que toda a distorção usada excessivamente não só é mero charme, como eles conseguem fazer boa música sem ela.

Falando em cordas, ‘tá aí para ouvidos desatentos um exemplo curto, mas marcante, de jogo de cordas. “Polly”, além de ter uma letra genial – baseada numa notícia que Kurt lera nos jornais –, que narra um seqüestro do ponto de vista do seqüestrador, o vocal e os arranjos estão impecáveis. Não dispensa a estrutura comum, mas não há peso aqui, nem guitarras gritantes, nem nada. E o resultado é dos melhores: prova incontestável que Nirvana não é banda de adolescentezinho berrador.

O vocal (surpreendentemente, de Krist Novoselic e não de Kurt Cobain, monopolizador de vozes) grita “vamos, agora sorriam ao seu irmão, todos fiquem juntos, tentem amar um ao outro agora mesmo”, e logo após é seguida de uma parede de microfonia para entrar a pauleira que é “Territorial Pissing.” A palavra é a já usada: distorção. De guitarras, de vozes, de tudo. Mas isso só engrandece o clima maníaco da música, o quê de punk que ela tem. Sensacional, mesmo. Até barulho se torna melodia.

A dobrada “Drain You”/“Lounge Act” é, à via de regra, chocante. A primeira, desde sua letra, que já começa com “um bebê diz a outro/sou sortudo em lhe conhecer”, até seus acordes devastadores e suas interrupções soturnas, nada românticos. O refrão, lindo, passa desapercebido a ouvidos menos atentos: é uma canção de amor. Preste atenção: o grunge é poético, com toda a ironia que isso pode significar. Já “Lounge Act” é mais agitada e padronizada, e as cordas parecem não parar de gritar desde o fim da outra, exceto talvez pelos ruídos bucais de seu início. O refrão continua agitador e todos tocam seus instrumentos como se estivessem destruindo-os (e talvez estivessem). Destaque para o final da música, que muitos dizem ter sido inspirado no mesmo fim de “Panis et Circenses”, dos Mutantes. Que parece, parece.

“Stay Away” é punk, sobre todos os aspectos. Uma crítica aos próprios grunges (“macaco vê/macaco faz”), um grito de rebeldia (o verso principal, “se afaste!”, é repetido diversas vezes) e uma clássica canção de Nirvana (desde a voz até os instrumentos característicos no meio da música). O tipo de música que a maioria das bandas punks de hoje querem a vida toda fazer e não conseguem. Única: ouça-a e saia gritando com seus pais.

O último grito do disco vem à tona, “On a Plain” é uma grande metáfora de muitas interpretações. Não fica explícito o que a “planície” do título é. Além dos primeiros toques e a abertura pesada, ela segue um ritmo e não pára até eles se cansarem. Além do refrão, mais melódico e estilizado, se destaca o final, com seus vocais que lembram os de “The Ocean”, do Led Zeppelin. (Ok, vou parar de comparar Nirvana com outras bandas clássicas, prometo.)

Mas não pensem que acabou. Falta o último suspiro, “Something in the Way.” Além de uma letra densa e perturbadora, metafórica ao extremo, tem cordas que angustiam até o refrão marcante, que se resume a “something in the way, oooh” e se repete conforme se desenrola. Aqui Kurt Cobain nos dá seu último show no vocal, e a bateria mostra que também consegue ser calma. Para terminar com chave de ouro, canção digna de fechamento de outros discos famosos como “A Day in the Life” foi para o Sgt. Pepper‘s e “The End” para o The Doors. (Ops. Comparei de novo.)

Enfim, Nirvana provou ao mundo que o rock estava sujeito à rebeldia da adolescência e que poderia voltar à sua simplicidade sem por isso se tornar algo de má qualidade, muito pelo contrário. Lou Reed estava certo ao afirmar que para o rock só são necessários uma guitarra, uma bateria e um baixo. Cobain, Grohl e Novoselic levaram esse ensinamento à risca. Resta saber se daqui a alguns anos serão tão lembrados tanto pelos extraordinários músicos que eram como pela imagem de símbolos de toda uma geração. Só podemos esperar que seja pelos dois. Nevermind veio e quebrou todas as barreiras impostas. Definitivamente, um marco. E um dos poucos álbuns de qualidade incontestável dos últimos anos. É ouvir para crer.

terça-feira, agosto 15, 2006

Wish You Were Here - Pink Floyd

Construir o Wish You Were Here não foi fácil, a escassez do material feito por apenas cinco faixas reflete bem esta situação. Pouco apreciado na época, derrubou a história do conjunto envolvendo quatro partes contrubuintes. Dedicado a Syd Barret, o mártir, a lenda, temiam que o grupo se separasse após o estouro que foi "The Dark Side of the Moon" e não conseguissem superá-lo. Felizmente não foi isso o que aconteceu porque o álbum vendeu mais de treze milhões de cópias!


Wish You Were Here é um álbum sensacional. Editado em 1975, chegou aos primeiros lugares, embora pouco apreciado na época, trazia toda sua poesia, detonando a mediocridade da industrialização musical. Os riffs da guitarra de Gilmour ficavam espaciais, atômicos e psicodélicos. Durante as gravações do disco, Syd Barret apareceu no estúdio maltrapilho e as ficou assistindo:


Shine on You Crazy Diamond, Pts. 1-5: Psicodélica e triste, bem interpretada pela guitarra de Gilmour, abre o disco com sua magnitude fantástica e deixa um gosto relevante ao resto do disco, com muita ansiedade em descobri-lo por todo. Esta música faz levar os ouvintes ao outro mundo. Dividida em cinco partes, traz Dick Parry ao saxofone. Na suíte que a faixa se torna mais comovente: "Se lembra quando você era jovem?/ Você brilhava como o Sol/ Agora há um olhar em seus olhos, como buracos negros no céu/ Loucos diamantes brilham em você". Enfatiza a falta que sentem de Syd Barret.

Welcome to The Machine: fala sobre os tristes aspectos da música industrial: "Bem-vindo meu filho, bem-vindo à máquina/ Por onde você tem andado?/ Está tudo bem, nós sabemos onde você esteve/ Você esteve nos encanamentos, passando o tempo/ Provido de brinquedos e de 'Scouting for Boys'/. Você comprou uma guitarra para punir sua mãe/ E você não gostava da escola /E você sabe que não pode ser enganado por ninguém/ Então, bem-vindo à máquina." Sua sonoridade é forte e melancólica. A guitarra chega a grandes percussões e critica com muito rock o destino que então as coisas estariamtomando.

Have a Cigar traz um tapa na cara com sua letra exuberante: "Entre aqui, garoto, pegue um charuto / Você vai longe / Você vai voar alto / Você nunca morrerá / Você vai conseguir isto se tentar / Eles vão amá-lo / Bem, eu sempre tive um profundo respeito, / E eu estou sendo muito sincero. / A banda é simplesmente fantástica, / Isso é realmente o que eu acho / A propósito, qual desses é Pink? // E se nós lhe dissermos o nome do jogo, garoto / Chamaremos de "Passeando com o Triunfo". Qual desses é Pink? Enfim, a música traz novamente a crítica ao fragmento das boas músicas. Tem a participação do cantor Roy Harper, que faz os vocais.

Wish You Were Here: a faixa-título é dedicada a Syd Barret. Ainda hoje, é um grande sucesso no mundo inteiro. Roger Walters se coloca como portador da grande chama de Barret: "Correndo sobre o mesmo chão/ o que nós encontraríamos/ mesmos velhos medos/ queria que você estivesse aqui". Se Barret já fazia falta em 75, imagine agora após sua morte, em 2006.

Shine on You Crazy Diamond, Pts. 6-9: Fecha o álbum com tão espantosa invocação e libera os sentidos ao auge do diamante louco. Traz a mensagem final "Venha, garoto criança, seu vencedor e perdedor / Venha, seu buscador de verdade e desilusão / E brilhe". E é assim que Pink Floyd termina seu maravilhoso e incontestável álbum, presenciando um dos melhores álbuns de todos os tempos.

domingo, agosto 06, 2006

Secos & Molhados (73) – Secos & Molhados


Os Secos & Molhados foram um grande poema. Poesia cantada, interpretada e dançada Numa época em que o rock tinha fortíssima inspiração importada, como os Mutantes e sua psicodelia inglesa ou Gilberto Gil e seu Sgt. Peppers brasileiro, foram eles que alteraram toda a música criando um som único, poderoso e original. A atitude era roqueira, claro: destoavam dos hábitos moralistas da sociedade em plena ditadura com suas encenações andróginas e sensuais, protestavam em arte tipicamente brasileira, lotavam ginásios e estádios. Mas o som era popular, daí a classificação de heróis dos jovens e dos velhos: era música que atingia a todos, desde os adolescentes batuqueiros aos românticos de tempos melhores.

A proposta original foi de João Ricardo, líder da banda e compositor da maior parte das músicas: musicar poesia, idéia fortemente influenciada por seu pai João Apolinário, poeta português radicado no Brasil. Era esse fator que aproximava os fãs mais artísticos, afinal, eles não transformavam poemas quilométricos em canções pouco instrumentais. Eles criavam melodias que interagiam com os versos, como se fosse outro poema acompanhando-o. Em outras palavras, não era apenas um cara com voz de mulher lendo textos portugueses sem emoção. Por outro lado, eram uma banda de músicos completos: João Ricardo, além de tudo, ainda tocava violão de 6 e 12 cordas e harmônica. Gerson Conrad, além de ser ajudante na voz e compositor de uma parte das melodias, também tocava violão. Marcelo Frias, que não era considerado membro mas aparece na capa do álbum, era baterista e percussionista. O vocal de Ney Matogrosso dispensa comentários, certo? Outro destaque, fato esse que taxou a banda de “homossexual” logo no começo, era o uso excessivo de maquiagem no rosto – tentativa de Ney de poder se “mascarar” para que pudesse andar nas ruas sem problemas –, que chegava a esconder as feições.

Ney Matogrosso era a voz perfeita, assim como as melodias de João Ricardo e o vocal de fundo de Gerson Conrad. A bateria de Marcelo Frias, o baixo de Willie Verdaguer e a guitarra de John Flavin ajudaram muito. Como banda eles eram excelentes, muito acima de tudo que era feito na época. Não aderiram à moda do experimentalismo psicodélico da época (cof, Mutantes, cof), nem tentaram misturar samba com tudo como outros fizeram porcamente. Eles seguiam as melodias com os instrumentos completando-se, impondo o espírito da poesia à música. Prova maior disso é o álbum Secos & Molhados de 1973, por muitos considerados a obra-prima da banda, tanto pelas composições líricas quanto musicais.

Que demonstração melhor da qualidade musical que o baixo tocando forte no começo de “Sangue Latino” , com o acréscimo da guitarra e da bateria em ritmo crescente, para entrar finalmente Ney cantando? E quanto à letra, “jurei mentiras e sigo sozinho/assumo os pecados”, não resta nada a dizer além de aplausos: um poema sobre a solidão e, principalmente, a auto-depreciação. A voz já tem o característico destaque, com os outros instrumentos apenas acompanhando. E é ela que dá o tom, numa performance emocionante na canção mais revigorante que o Brasil já produziu. Abertura melhor, impossível.

“O Vira”, talvez a música mais conhecida dos Secos, tem o início roqueiro, pesado, forte. Até entrar o piano e se tornar um baião divertido. Não é poesia séria, não tem uma melodia poética, nada disso: mas é inesquecível Ney cantando. É a típica canção divertida que dá o toque de descontração ao álbum.

São as cordas que ditam a música em “O Patrão Nosso de Cada Dia”, desde seu início com o sino badalando até elas se tornarem acompanhante da flauta. Ao menos até entrar o vocal, numa das atuações mais emocionantes da banda. A letra é assumidamente anti-burguesia, com versos como “eu vivo preso à sua senha/sou enganado/eu solto o ar no fim do dia/perdi a vida.” Sem falar do romantismo do início, com a flor de cactus. Linda, linda de morrer.

“Amor” é a primeira das músicas rock dos Secos & Molhados, e é aqui que eles demonstram a que vieram. Afinal, as três faixas anteriores eram excelentes, mas não eram muito diferentes do que tinha sido feito até então. O baixo berra ao fundo, a bateria acompanha, e a voz em conjunto, agora com mais destaque a João Ricardo, numa poesia que explica o amor de forma criativa como ninguém mais fez. Não é uma declaração ou um soneto meloso, é, simplesmente a descrição do amor.

O piano é usado num blues, a faixa mais longa do álbum. O início de “Primavera nos Dentes” tem o básico, além do piano: a bateria e a guitarra bem fraca. Depois de três minutos de aceleração viajante, as vozes novamente em coro em uma canção interpretada tanto quanto manifesto anti-ditadura quanto como versos existencialistas. “Quem não vacila mesmo derrotado/quem já perdido nunca desespera/e envolto em tempestade, decepado/entre os dentes segura a primavera”, para então vir o grito de Ney, para voltar à viagem mais uma vez. Prova maior de harmonia entre letra e composição.

Os batuques no começo de “Assim Assado” não demonstram, mas essa tem a guitarra mais forte do disco, que acompanha como se fosse uma segunda voz, na letra mais maluca da história, e, ao mesmo tempo, uma das mais cativantes. Destaque para o solo de guitarra no meio, genial, digno de qualquer um dos poderosos americanos e ingleses da época (Page, Clapton, Beck, Townshend, Hendrix), sem sombra de dúvida. Quer aprender a unir música brasileira com rock da melhor forma? Ouça-a.

E é “Mulher Barriguda” que confirma a afirmação de que sim, Secos & Molhados é uma banda de rock. Tudo muito rápido, muito violento, o piano levando o som a outro nível de originalidade, a gaita ao meio de tudo da forma mais Bob Dylan possível, e a guitarra, meu deus, que guitarra, que baixo. Ok, o nome faz parecer uma música dos Mamonas Assassinas. Mas não é: é uma canção anti-guerra, acreditem. Quando eles (porque aqui o vocal não é único) cantam “mulher barriguda/que vai ter menino/Qual o destino/que ele vai ter?/o que será ele/quando crescer?/haverá guerra ainda?/tomara que não”, você percebe o poder do rock ‘n’ roll de atrair multidões a seu favor e seus ideais. Lembrem-se: a guerra no Vietnã ainda não tinha acabado.

A mais curta canção do disco, “El Rey”, que tem menos de um minuto, segue do início ao fim a junção completa entre cordas de violão e cordas vocais, e tem um resultado que não se pode negar ser emocionante. A letra, insistente, que repete o verso “eu vi El Rey andar de quatro”, é uma profunda metáfora, sobre os reis, ou não.

O toque de “Rosa de Hiroshima”, no começo, parece o mesmo de O Patrão Nosso de Cada Dia, e provavelmente os desavisados vão achar que é a mesma música se repetindo. Muito enganados, baby. Quando entra a flauta e a (bela) melodia continua inalterada até se unir ao vocal, que cantarola com sentimento a poesia de Vinícius de Moraes. É botar para tocar numa festa e ver aparecer as lágrimas nos rostos das velhinhas.

A melodia é baladeira, verdade. Mas “Prece Cósmica,” composição surrealista de Cassiano Ricardo, é a genialidade da poesia transformada em música. O coro que canta “que os quatro como num teatro/conservem a mão sem nenhum gesto/que o vinho quente do coração uóu uéum/lhes suba à cabeça/espessa”, o violino (seria um violino?) que faz o solo, a guitarra acompanhando a bateria... é lindo, a canção que me fez gostar de Secos & Molhados. Destaque para o “uóuóuéum”, cantado de forma descarada satirizando aqueles tempos psicodélicos e mágicos.

Ao ouvir “Rondó do Capitão”, composição de Manuel Bandeira, a imagem que vem à cabeça é provavelmente a de mãos flutuando sobre um violão. Novamente um dueto de cordas e sopro, esse último representado pela flauta. Ney recebe grande destaque nessa canção alegre, que cantarola: “bão balalão/senhor capitão/tirai esse peso do meu coração/não é de tristeza/não é de aflição/é só de esperança.” Curta, realmente, um minuto e cinco segundos. Mas é ouvir para sair cantando.

“As Andorinhas”, outra poesia de Cassiano Ricardo, é basicamente uma frase só, cantada silabada, “nos fios tesos da pauta de metal as andorinhas gritam por falta de uma clave de sol,” mas ela é cantada de tal forma, com a percussão evocando espíritos eruditos e a voz leve e lenta, que é impossível você não querer ouvi-la novamente. É poesia, poesia pura, pura e surrealista, surrealista e genial.

“Fala” tem um ritmo que remete às canções de John Lennon (ouça God que você entenderá), mas com um toque crescente e a voz de Ney. Além da letra, que resume bem os momentos de quietude, “eu não sei dizer/nada por dizer/então eu escuto,” os músicos mostram aqui todo seu talento, de guitarras distorcidas ao violino, cordas e percussão. É a típica música da vida de muita gente, espetacular, emocionante, com no fim tudo sendo levado ao caos com o fim, no que parece ser uma quebra de instrumentos geral.

E é assim que acaba o primeiro disco dos Secos & Molhados. Agora só podemos imaginar qual foi a sensação do jovem que desligava seu som em 1973 depois da primeira audição desse álbum. Tirava o bolachão do toca-discos, empurrava a agulha para o lado e se sentava no sofá de couro. Lembrava-se de cada composição, cada verso, cada melodia, cada segundo. Pensava que o rock podia, sim, ser brasileiro e ser bom (senão melhor). Ele não sabia ainda, mas um ano depois ele compraria o segundo disco que também haveria de ser uma obra-prima. E não se decepcionaria. Secos & Molhados foi poesia, uma das únicas bandas do mundo que tinha o poder de envolver o ouvinte em palavras e sons.

Poueréde bai Bróguer
e Meu saco em mexer em templates (e meu também.) [Ei, caralho! Eu também quero um link!]